Maria Bethânia renova a sonoridade ao entrar no mar bravio das paixões que agitam o show dos 60 anos de carreira

  • 07/09/2025
(Foto: Reprodução)
Maria Bethânia arrepia o público na estreia do show ‘60 anos de carreira’ na casa Vivo Rio (RJ) na noite de ontem, 6 de setembro Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio ♫ OPINIÃO SOBRE SHOW Título: 60 anos de carreira Artista: Maria Bethânia Data e local: 6 de setembro na casa Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ) Cotação: ★ ★ ★ ★ ★ ♬ “Sete mil vezes e, em cada uma, outra vez querer / Sete mil outras em progressão infinita / Quando uma hora é grande e bonita assim / Quer se multiplicar / Quer habitar todos os cantos do ser”, avisou Maria Bethânia na abertura do show 60 anos de carreira ao dar voz aos versos de Sete mil vezes, música do mano Caetano Veloso que a cantora lançou no álbum Alteza (1981), há 44 anos, e desde então nunca mais gravou ou incluiu em shows. Aos 79 anos, com a voz grave e quente tinindo na estreia nacional da turnê na noite de ontem, 6 de setembro, na casa Vivo Rio (RJ), Maria Bethânia mostrou que segue em progressão infinita neste show que, embora esteja alicerçado nos cânones teatrais dos espetáculos em que a intérprete mixa música e textos poéticos, também avança na sonoridade enquanto dá conta de resumir seis décadas de palco e disco sem didatismos e trivialidades, mas com emblemas justificáveis como Rosa dos ventos (Chico Buarque, 1970), música-título do show de 1971 que consagrou a receita teatral experimentada pela artista desde 1967. Calcada na pulsação dos sopros e dos metais, a direção musical de Pedro Guedes – também responsável pelos arranjos em função dividida com os músicos Jorge Helder (baixo e bandolim) Thiago Gomes (teclados e guitarra) – renovou a sonoridade dos shows da artista, ecoando a estética orquestrada por Lucas Nunes no espetáculo anterior Caetano & Bethânia (2024 / 2025), com o qual Bethânia percorreu arenas e estádios do Brasil ao lado de Caetano Veloso. Responsável por abrir o show com citação vocal de Iansã (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1972), antes da entrada de Bethânia em cena, o fantástico trio de vocalistas – Fael Magalhães, Janeh Magalhães e Jenni Rocha – também marcou forte presença, soando como outra herança da turnê com Caetano. Maria Bethânia assina sozinha a direção e o roteiro do show ‘60 anos de carreira’, cuja turnê chega a São Paulo em outubro Rodrigo Goffredo O som da banda resultou vibrante como o canto da artista, valorizando números como o rock Podres poderes (Caetano Veloso, 1984) com acento black. Os metais de Marcelo Martins (sax tenor) e Jessé Sadoc (trompete e flugelhorn) sopraram o bafejo quente do soul em números como Encouraçado (Sueli Costa e Tite de Lemos, 1972) e Demoníaca (Sueli Costa e Vitor Martins, 1974), músicas que, entremeadas com o canto de Resposta (Maysa, 1956), reverberaram A cena muda (1974), um dos shows mais marcantes da trajetória de Bethânia nos palcos. Foi em A cena muda que Bethânia soltou pela primeira vez Gás neon (1974), angustiado flash urbano do cancioneiro de Gonzaguinha (1945 – 1991), compositor relevante na discografia da intérprete. Gás neon reapareceu na cena de 2025 em contraste com a pisada rascante e sertaneja do baião Taturamo (Caetano Veloso sobre texto de Chico de Assis, 1974), outra lembrança de A cena muda, revivida com o toque da viola de Paulo Dáfilin e com a citação original de Galope (Gonzaguinha, 1974). Transitando com naturalidade entre as urbanidades contemporâneas e as paisagens rurais do Brasil caboclo do sertão e das folhas, saudadas em Kirimurê (Jota Velloso, 2006), o show 60 anos de carreira é dirigido e roteirizado pela própria Maria Bethânia, senhora da cena e das palavras, costuradas com engenhosidade. Dona do dom e das próprias vontades imperativas. “Quando eu canto, que se cuide quem não for meu irmão”, alertou Bethânia na pegada de Baioque (Chico Buarque, 1972), antes de se perfilar em Ofá (Roberto Mendes e Jota Velloso, 1988), uma das muitas surpresas de roteiro que nunca escorregou no óbvio e que algumas vezes se banhou no mar da ancestralidade afro-indígena. Maria Bethânia recita textos de Clarice Lispector e Eucanaã Ferraz no show ‘60 anos de carreira’ Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio Visível tanto no elegante figurino branco de Gilda Midani (adornado com acessórios dourados no segundo ato) quanto nas imagens projetadas no telão com requinte, sob direção visual de Otávio Juliano, a fidelidade do show à essência e à ideologia de Maria Bethânia foi exemplificada no bloco feminino aberto com a récita do texto Lugar (Fragmentos), de Herberto Helder. “As mulheres têm uma roseira espalhada no ventre. Uma quente roseira”, poetizou Bethânia antes de exaltar a delícia de ser mulher em O lado quente do ser (Marina Lima, 1980), outra boa surpresa do roteiro. Na sequência, Bethânia emendou uma canção sensual com balada romântica – Cheiro de amor (Jota Moraes, Duda Mendonça, Paulo Sergio Vale e Ribeiro, 1979) e Olha (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1975), esta rebobinada na trilha sonora da novela Vale tudo (2025) na gravação feita por Bethânia em 1993 – em bloco que serviu como válvula de escape para a parte da plateia que ansiava por sucessos. Um deles, inesperado porque dissociado do canto de Bethânia, foi o Samba do grande amor (Chico Buarque, 1983), cantado em número em que a banda roçou o suingue de um salão de gafieira. No segundo ato, as palmas ritmadas do público também afiaram Fé cega, faca amolada (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974), reminiscência da turnê do grupo Os Doces Bárbaros (1976). Sempre distante da rota dos hits triviais, o roteiro do show 60 anos de carreira foi pensado pela cantora para seguidores que conhecem a trajetória da artista impulsionada em fevereiro de 1965 na cena do teatralizado show Opinião (1964 / 1965), de cujo repertório Bethânia pinçou o samba Diz que fui por aí (Zé Kétti e Hortênsio Rocha, 1964), levado em cadência suave. Após apresentar a banda e antes do interlúdio que separa os dois atos, com o toque instrumental de Caboclinha (A boneca de barro) (Heitor Villa-Lobos, 1922), Maracatu (Egberto Gismonti, 1978) e do samba Flor de lis (Djavan, 1976), Bethânia cruzou o oceano e entrou nas águas de além-mar com o canto de um fado ligeiro (presumivelmente) inédito de Pedro Abrunhosa, Se não te vejo, número em que o bandolim tocado por Jorge Helder soou com a alma de uma guitarra portuguesa. Maria Bethânia faz homenagem a Nana Caymmi (1941 – 2025) no show ‘60 anos de carreira’ Rodrigo Goffredo No segundo ato, aberto com a toada Tocando em frente (Almir Sater e Renato Teixeira, 1990), Bethânia reiterou que faz da canção um auto de fé ao dar voz ao congado Sete trovas (Consuelo de Paula, Etel Frota e Rubens Nogueira, 2004) e ao saudar Iemanjá Rainha do mar (Pedro Amorim e Paulo César Pinheiro, 2006), mergulhando no álbum Mar de Sophia (2006), também lembrado com Beira mar (Roberto Mendes e José Carlos Capinan, 2006). As projeções de imagens de ondas revoltas captadas por Philip Thurston reforçaram a sensação de que o público estava voluntariamente à mercê do barco conduzido por Bethânia com a autonomia e a sabedoria dos mestres. Inédita de Chico César, Eu mais ela aprofundou o mergulho no amor de mulher que também banha o show 60 anos de carreira. Ao entrar no mar bravio das paixões, Bethânia agitou o público ao dar voz a uma grande canção de Angela Ro Ro, Mares da Espanha (1979), inédita na voz da intérprete. Foi quando a intensidade habitual da artista arrepiou a plateia em um dos momentos mais fortes do espetáculo. Na sequência, veio mais uma canção de Ro Ro, Gota de sangue (1979), esta cantada em dueto e voz e piano, o de Jonatan Harold, jovem músico arregimentado para a big banda que inclui o guitarrista Pedro Sá. Na sequência, Mar e lua (Chico Buarque, 1980) manteve a tensão dramática do show, também preservada no canto da Balada do lado sem luz, música de Gilberto Gil lançada por Bethânia no álbum Pássaro proibido (1976). Maria Bethânia domina a cena do show em que celebra 60 anos de palco, contados a partir da estreia da artista no espetáculo 'Opinião' em fevereiro de 1965 Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio A récita de trecho de Genipapo absoluto (Caetano Veloso, 1989) reiterou que, para Maria Bethânia, cantar é mais do que lembrar. É tudo aquilo e um pouco mais. E Bethânia lembrou de Nana Caymmi (1941 – 2025), cantora irmã na densidade emocional com a récita do texto Vozes / A voz de Nana (Eucanaã Ferraz) e o canto de Sussuarana (Heckel Tavares e Luiz Peixoto, 1928), a toada melancólica que Bethânia interpretou com Nana no disco e show Brasileirinho (2003), trabalho cujo universo temático foi bastante evocado neste 60 anos de carreira pelas músicas e textos sobre as florestas e as fontes límpidas de um Brasil rural dizimado pela ganância do bicho homem, mas paradoxalmente resistente, como sentenciou a intérprete no canto de A força que nunca seca (Chico César e Vanessa da Mata, 1999). Veio então mais uma homenagem póstuma, Palavras de Rita (2025), música inédita composta por Roberto de Carvalho a partir de texto de Rita Lee (1947 – 2023) endereçado pela roqueira a Bethânia. É impressionante com as palavras poéticas de Rita soaram como a mais completa tradução de Bethânia (“Eu, hermafrodita / Da água respirei, a vida / No sangue que bebi, o soro / Nos ares explodi, em choro / Da gula que comi, a fome / Da fêmea que nasci, homem / Eu me transformei, em mim / Do Deus que duvidei, o sim / Das mortes que vivi, o além / Dos vícios que virei, refém / Dos bichos que sou, felina / Na velha que estou, menina”) e como a música de Roberto de Carvalho captou o espírito do repertório de Bethânia. Palavras de Rita se impôs como a grande novidade do show dos 60 anos de carreira da cantora ao lado de empolgante samba, Vera Cruz, em que Xande de Pilares e Paulo César Feital também traduzem o espírito inquieto de Bethânia em versos inspirados como “Sou pilintra, viro Zé”. Bethânia finalizou o samba com citação de Carcará (João do Vale e José Cândido), a música que a projetou em escala nacional há 60 anos na arena do espetáculo Opinião (1964 / 1965). Ao sair do palco com o brado “Pega, mata e come”, antes de voltar para o bis em que cantou o refrão do samba-enredo Maria Bethânia, a menina dos olhos de Oyá (Alemão do Cavaco, Almyr, Cadu, Lacyr D Mangueira, Paulinho Bandolim e Renan Brandão, 2015) e o samba de roda Reconvexo (Caetano Veloso, 1989), foi como se a intérprete atestasse para a posteridade que a paixão e a ideologia ainda são as mesmas de 1965, ainda que em progressão contínua entre os ares do Brasil caboclo e os gases urbanos das paixões vividas nos mares bravios e em terra firme. E o fato é que, ao fim, o show se impôs como um dos melhores espetáculos de Maria Bethânia, artista que ama os abismos, as torrentes, os desertos e que, ao longo desses gloriosos 60 anos, somente foi aonde a levaram os próprios passos. Maria Bethânia encadeia com maestria 43 músicas no roteiro do show ‘60 anos de carreira’ Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio ♫ Eis as 43 músicas do roteiro seguido em 6 de setembro de 2025 por Maria Bethânia na estreia nacional do show 60 anos de carreira na casa Vivo Rio, no Rio de Janeiro (RJ): Ato I 1. Iansã (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1972) – citação do trio de vocalistas 2. Sete mil vezes (Caetano Veloso, 1981) 3. Canções e momentos (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1986) 4. Gás neon (Gonzaguinha, 1974) 5. Podres poderes (Caetano Veloso, 1984) 6. Baioque (Chico Buarque, 1972) ♫ A queda do céu (texto de Davi Kopenawa e Bruce Albert) 7. Ofá (Roberto Mendes e Jota Velloso, 1988) 8. Kirimurê (Jota Velloso, 2006) 9. Encouraçado (Sueli Costa e Tite de Lemos, 1972) 10. Resposta (Maysa, 1956) 11. Demoníaca (Sueli Costa e Vitor Martins, 1974) 12. Taturamo (Caetano Veloso sobre texto de Chico de Assis, 1974) 13. Galope (Gonzaguinha, 1974) – citação ♫ Lugar (Fragamentos) (texto de Herberto Helder) 14. O lado quente do ser (Marina Lima, 1980) 15. Cheiro de amor (Jota Moraes, Duda Mendonça, Paulo Sergio Vale e Ribeiro, 1979) 16. Olha (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1975) 17. Samba do grande amor (Chico Buarque, 1983) 18. Taturamo (Caetano Veloso sobre texto de Chico de Assis, 1974) Interlúdio instrumental 19. Caboclinha (A boneca de barro) (Heitor Villa-Lobos, 1922) 20. Maracatu (Egberto Gismonti, 1978) 21. Flor de lis (Djavan, 1976) Ato II 22. Tocando em frente (Almir Sater e Renato Teixeira, 1990) ♫ Água viva (texto de Clarice Lispector) 23. Sete trovas (Consuelo de Paula, Etel Frota e Rubens Nogueira, 2004) 24. Fé cega, faca amolada (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974) 25. Ponto de Iemanjá (Gamo da Paz e Yomar Asogbã) 26. Iemanjá Rainha do mar (Pedro Amorim e Paulo César Pinheiro, 2006) 27. Balangandã (Paulo Dáfilin e Roque Ferreira, 2025) 28. Eu mais ela (Chico César, 2025) 29. Beira mar (Roberto Mendes e José Carlos Capinan, 2006) 30. Diz que fui por aí (Zé Kétti e Hortênsio Rocha, 1964) 31. Mares da Espanha (Angela Ro Ro, 1979) 32. Gota de sangue (Angela Ro Ro, 1979) 33. Mar e lua (Chico Buarque, 1980) 34. Balada do lado sem luz (Gilberto Gil, 1976) 35. Genipapo absoluto (Caetano Veloso, 1989) – citação de versos da letra ♫ Vozes / A voz de Nana (texto de Eucanaã Ferraz) 36. Sussuarana (Heckel Tavares e Luiz Peixoto, 1928) 37. Palavras de Rita (Roberto de Carvalho e Rita Lee, 2025) 38. A força que nunca seca (Chico César e Vanessa da Mata, 1999) ♫ “Eu não quero apenas ter visitado este mundo” (texto de Dora Fischer Smith) 39. Rosa dos ventos (Chico Buarque, 1970) 40. Vera Cruz (Xande de Pilares e Paulo César Feital, 2025) 41. Carcará (João do Vale e José Cândido) – citação de verso Bis 42. Maria Bethânia, a menina dos olhos de Oyá (Alemão do Cavaco, Almyr, Cadu, Lacyr D Mangueira, Paulinho Bandolim e Renan Brandão, 2015) 43. Reconvexo (Caetano Veloso, 1989) Maria Bethânia se apresenta com acessórios dourados no figurino de Gilda Midani no segundo ato do show ‘60 anos de carreira’ Rodrigo Goffredo

FONTE: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/blog/mauro-ferreira/post/2025/09/07/maria-bethania-renova-a-sonoridade-ao-entrar-no-mar-bravio-das-paixoes-que-agitam-o-show-dos-60-anos-de-carreira.ghtml


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